Restrições de cobertura x Direito à Saúde
LÍGIA BAHIA
Graduada em medicina, mestre e doutora em Saúde Pública, atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui amplo conhecimento sobre os sistemas de proteção social e saúde, as relações entre o público e o privado no sistema de saúde brasileiro, o mercado de planos e seguros de saúde e a regulamentação desses planos
Em 21 de maio deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que as operadoras de planos de saúde informem a cada cliente o descredenciamento de médicos, laboratórios e hospitais. Essa decisão se alinha com as interpretações da legislação sobre a abrangência das coberturas de planos e seguros de saúde. Até então, a prática recomendável de buscar o mesmo local e o mesmo profissional para dar continuidade ao atendimento, com base no conhecimento prévio do caso clínico, poderia ser frustrada em função da interrupção do contrato entre a operadora e o prestador de serviço.
O posicionamento do Poder Judiciário foi motivado pelo caso de um paciente com problemas cardiovasculares que só soube do descredenciamento do hospital ao qual estava acostumado a ir quando chegou lá e teve de pagar pela assistência. Isso evidencia o descaso por parte de empresas de assistência suplementar com o fornecimento de informações essenciais aos usuários. A garantia de coberturas é completamente incompatível com as orientações confusas sobre a oferta de serviços de urgência/emergência. Em momentos de aflição e necessidade de socorro imediato, pacientes e familiares não podem ser submetidos a problemas adicionais. A obtenção de atendimento oportuno e de qualidade sempre que necessário é fundamental tanto para o acompanhamento de casos crônicos quanto para salvar vidas.
As mudanças na rede credenciada aos planos de saúde resultam de estratégias para reduzir despesas assistenciais e administrativas. Em termos financeiros, o impacto dos descredenciamentos pode não ser tão expressivo quanto o prejuízo às condições de saúde dos pacientes.
Barreiras ao acesso aos serviços de saúde são benéficas ao caixa das operadoras e deletérias à saúde. A Lei no 9.656/1998, que regulamenta as empresas de planos e seguros de saúde, ampliou as coberturas. Contudo, autoridades públicas do Poder Executivo e empresariais insistem em flexibilizar a lei. Apesar da promulgação da legislação regulamentadora, a negação ou ausência de coberturas previstas contratualmente tem sido preservada em nome de um suposto realismo. Segundo empresários do setor e seus seguidores, que insistem em fazer analogias entre a saúde e outras mercadorias, um plano precário é melhor do que nenhum. Assim, a expansão de planos com copagamento e registro de redes assistenciais insuficientes se justificaria em função do ajuste da cobertura à capacidade de pagamento individual. Porém, os problemas de saúde não escolhem o “freguês” de acordo com o bolso. Por isso, as sociedades modernas criaram sistemas de saúde solidários, considerando que parâmetros monetários não são adequados para dimensionar a saúde e a vida. Mas, felizmente, o Poder Judiciário demonstrou compreender a importância do direito à saúde.