Mais caro do que parece
Bancos dificultam a contratação de empréstimo pessoal e incentivam opções mais caras de crédito. Além disso, não informam adequadamente o custo efetivo total da operação, que pode ser bem mais alto que a taxa de juros
Muitos brasileiros têm o salário contadinho para pagar as contas do mês. Então, quando acontece um imprevisto – o carro quebra ou alguém da família adoece, por exemplo –, surge o dilema: de onde tirar dinheiro para cobrir esse gasto extra? Em muitos casos, não resta outra alternativa senão apelar para o crédito. Entre as opções mais comuns, o empréstimo pessoal é o mais vantajoso se comparado ao cartão de crédito e ao cheque especial, que têm taxas de juros muito mais altas. No entanto, conseguir o empréstimo não é tão fácil quanto o dinheiro de plástico ou o limite na conta, como constata a pesquisa realizada pelo Idec, que avaliou os seis maiores bancos do país: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander.
O levantamento também identificou várias cláusulas abusivas nos contratos e verificou que as instituições financeiras não dão informações suficientes sobre o custo efetivo total (CET) da operação, conforme determina a Resolução no 3.517/2007, atualizada pela no 3.909/ 2010, do Banco Central (BC). O CET designa todos os custos do empréstimo, ou seja, juros, tributos, tarifas, seguros e quaisquer outras despesas cobradas do cliente. Portanto, conhecê-lo é fundamental para saber quanto, de fato, você vai pagar – às vezes muito mais do que se supõe considerando apenas a taxa de juros.
Entre os meses de março e maio, pesquisadores do Idec foram a agências dos seis maiores bancos do país (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, HSBC, Itaú e Santander) e solicitaram empréstimo pessoal de R$ 300, parcelado em cinco vezes. O objetivo era avaliar se as instituições informam adequadamente todos os custos envolvidos na operação de crédito, observando se há entrega da planilha com o custo efetivo total (CET) e explicação do atendente sobre as cobranças. Além disso, foram analisadas as cláusulas dos contratos e outros documentos entregues pelos bancos.
O levantamento faz parte de um projeto em parceria com a Oxfam Novib sobre Responsabilidade Social Empresarial (RSE) de bancos e também de um projeto da Consumers International sobre crédito e superendividamento.
Claúsulas abusivas, de novo
Em 2009, o Idec realizou uma série de pesquisas sobre as práticas bancárias, similar à que está sendo feita este ano. No que se refere à contratação de empréstimo pessoal, a única mudança positiva é que os bancos deixaram de cobrar a tarifa de abertura de crédito (TAC), bastante frequente há três anos, embora já fosse proibida. Mas as melhoras param por aí. Como ocorreu na outra pesquisa, nem todos os bancos entregaram o contrato (desta vez, foram o Banco do Brasil e o Santander), e os que forneceram, adotam uma série de previsões que desrespeitam o CDC e as resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Para avaliar e comparar as instituições, o Idec selecionou as seis cláusulas abusivas mais frequentes e graves (veja na tabela abaixo quais são elas). “Essas são as previsões abusivas mais relevantes do ponto de vista da defesa do consumidor, pois limitam seus direitos, sem que lhes sejam dados qualquer destaque ou alerta. Mas as previsões ilegais vão muito além”, ressalta Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec e responsável pela análise dos contratos.
Considerando essas seis cláusulas abusivas, o pior contrato é o do HSBC, que possui cinco abusividades (tem apenas 17% de adequação). O segundo pior é o do Itaú, com quatro previsões abusivas (33% de adequação). O Bradesco e a Caixa empatam com três previsões que afrontam o CDC ou as normas do CMN (50% de adequação).
Na tabela abaixo você encontra o balanço geral da pesquisa (contratação de crédito + análise dos contratos). Para cada aspecto adequado ou legal foi atribuído 1 ponto; e para os inadequados ou ilegais, 0. O que se verificou é que boa parte dos bancos adota práticas e previsões adequadas em menos da metade dos quesitos avaliados. O pior é o Santander, com 44% de adequação, seguido pelo HSBC, o Itaú e a Caixa, empatados com 47%. Os mais bem colocados foram o Bradesco e o Banco do Brasil, que cumpriram 76% e 78% dos requisitos avaliados, respectivamente. Porém, vale destacar que o que se espera é que eles tenham 100% de adequação, já que foram analisados aspectos legais, ou seja, itens que os bancos são obrigados a cumprir por lei.
Saiba mais
Esta é a terceira parte da série de pesquisas sobre as práticas dos bancos. As outras duas são:
-Matéria “Início conturbado”, publicada na edição nº 163
-Matéria “Atendimento regular”, publicada na edição nº 165 Juros menores para quem?
Desde o início de abril, as instituições financeiras vêm anunciando redução nas taxas de juros de empréstimos e financiamentos. A pedido do governo federal, o movimento começou com os bancos públicos Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, e foi seguido pelos privados. Apesar do grande burburinho que os anúncios geraram, a queda dos juros não tem refletido melhora concreta de condições para os consumidores. Ou pelo menos não para todos. Isso porque a redução tem ocorrido em apenas algumas linhas de crédito, e, além disso, para usufruir taxas mais baixas, é preciso cumprir uma série de requisitos, como já ser correntista do banco e optar por empréstimos de curto prazo, por exemplo.
Em resumo, nas propagandas, os bancos divulgam a taxa de juros mínima de determinada operação. Porém, na realidade, o percentual de fato praticado depende do perfil do cliente, de seu histórico de pagamentos e da forma como irá pagar o crédito. O problema é que essas condições nem sempre são claras para o consumidor.
“Os bancos podem oferecer taxas diferenciadas de acordo com o histórico de pagamentos do cliente, por exemplo, mas essa e outras condições precisam ser informadas previamente”, informa Maria Elisa Novais, do Idec. Os consumidores também devem ficar atentos à prática da venda casada, que é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. “Condicionar a concessão de crédito com taxas mais baixas à aquisição de outros serviços, como cartão de crédito ou aplicações financeiras, é ilegal. Por isso, o consumidor não deve aceitar”, alerta Maria Elisa.
Vale lembrar que o consumidor deve considerar o CET e não apenas as taxas de juros. A resolução do BC determina que ele tenha acesso a essa informação mesmo em consultas de crédito (não apenas se a contratação se efetivar), ou seja, o consumidor pode exigir essa informação antes de decidir onde irá contrair o empréstimo ou financiamento. Ele também pode utilizar o simulador do CET, disponível no site da maioria dos grandes bancos.
A queda dos juros pode ser interessante para aqueles que já têm um empréstimo e querem migrar a dívida para outro banco que ofereça melhores condições. A chamada portabilidade de crédito é um direito garantido pela Resolução nº 3.401/2006, do Banco Central, em vigor há seis anos. Ela pode ser realizada da seguinte forma:
1. Vá ao banco no qual o crédito foi contratado para saber o andamento da dívida (o saldo devedor, quantas parcelas faltam etc.). A instituição deve fornecer o demonstrativo detalhado em 15 dias.
2. Com as informações em mãos, pesquise em vários bancos o custo efetivo total (CET) para a sua dívida e negocie as condições para transferi-la.
3. Escolhido o banco, as providências burocráticas para a transferência da dívida devem ser tomadas por ele.
Atenção!
-Nenhuma tarifa pode ser cobrada pela transferência da dívida (com exceção de empréstimos com custos administrativos, tais como financiamento imobiliário ou leasing – arrendamento mercantil –, pois é comum haver novos custos de documentação no cartório/Detran, além de vistoria).
- Também não pode ser cobrado IOF, a não ser que o consumidor peça mais dinheiro. Nesse caso, o imposto deve ser calculado apenas sobre o valor adquirido, e não sobre o total da dívida.
-A vantagem da portabilidade é obter taxas menores para diminuir o valor da parcela ou manter o valor da prestação e reduzir o prazo de pagamento. Prorrogar a data de pagamento não é interessante, porque significa mais tempo de incidência de juros e, consequentemente, o aumento da dívida.
-O banco para o qual o consumidor pretende levar sua dívida pode se recusar a receber o crédito, mas, como em qualquer situação de tomada de empréstimo, precisa esclarecer os motivos.
Crédito mais difícil
Os pesquisadores do Idec solicitaram empréstimo de R$ 300 – baixo, se considerado que o valor médio é de R$ 2.390 para quem recebe até três salários mínimos, segundo dados do Ministério da Previdência. Mas para liberar esse valor, o HBSC exigiu um avalista. O pesquisador voltou à agência com o avalista, mas o banco continuou dificultando a concessão do empréstimo. Dessa vez, o atendente tentou convencer o cliente a optar pelo cheque especial. Outra alternativa para a liberação do empréstimo seria o avalista abrir conta na instituição. Depois de muita insistência, o empréstimo foi realizado, mas a sua análise ainda demorou uma semana. Esse também foi o prazo para a Caixa aprovar e liberar o crédito. Antes, porém, o banco solicitou comprovante de renda, sendo que esse documento já havia sido entregue na fase de abertura da conta. Sem falar que o atendente já tinha oferecido limite no cheque especial sem tal exigência.
“Levar em conta apenas a taxa de juros para estimar quanto será pago pelo empréstimo pode ser um engano, pois são os encargos que vão determinar o CET”
Venâncio Guerrero, economista do Idec
No Itaú, o pesquisador não conseguiu o empréstimo pessoal, porque, segundo o atendente, ele tinha poucos “pontos” com o banco, pois acabara de sair de uma restrição de crédito e a conta tinha baixa movimentação. O funcionário sugeriu que o correntista adquirisse um título de capitalização para melhorar a pontuação e, assim, ter acesso ao crédito. “Isso prova que a restrição não estava simplesmente relacionada ao passado de ‘mau pagador’ do cliente, já que seria facilmente retirada se outro produto fosse adquirido”, aponta Venâncio Guerrero, economista do Idec responsável pela pesquisa. Para o Idec, a “proposta indecente” configura venda casada, prática proibida pelo artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Diante da negativa, foi preciso que outro pesquisador solicitasse o crédito pessoal ao Itaú, mas a dificuldade se manteve: o atendente disse que o sistema recusava a contratação, sem explicar por quê, e insistiu que ele optasse pelo cheque especial, cuja taxa de juros é de 8,89% ao mês (ou 177,87% ao ano). Como não conseguiu convencer o pesquisador, o funcionário do banco deu um “jeitinho” e baixou a taxa do cheque especial ao patamar da do empréstimo pessoal, 4,7% ao mês. A proposta foi aceita para dar continuidade ao levantamento, mas como o pesquisador já tinha utilizado R$ 100 do limite de sua conta, o valor do crédito contratado no Itaú foi de R$ 400 e não de R$ 300 como nos demais bancos.
O Idec enviou o resultado da pesquisa a todos os bancos envolvidos, porém, até o fechamento desta edição, apenas o Santander havia respondido.
Santander: alegou que os problemas identificados na pesquisa representam um caso isolado. Disse ainda que não faz sentido incluir o fluxo de pagamentos no demonstrativo sobre o custo efetivo total (CET), porque as parcelas são fixas. O banco também afirmou que não oferece um simulador para o cálculo do CET em seu site porque a oferta de crédito é diferente para cada cliente, pois depende do seu perfil.
Custos obscuros
Com exceção do Banco do Brasil, todos os bancos deram informações incompletas ou incorretas a respeito dos custos envolvidos na operação de crédito. A Caixa ignorou completamente a obrigação de informar o CET: não indicou seu valor no momento da contratação e nem forneceu a planilha com os cálculos, como determina o Banco Central. O Santander e o Itaú também não indicaram o custo total aos pesquisadores na agência, apenas a taxa de juros mensal. E embora o CET conste das planilhas entregues pelos dois, os documentos são incompletos, pois não informam o fluxo de pagamentos, a incidência do CET nas prestações e o valor total de juros. Além disso, o site do Santander é o único que não tem um simulador para cálculo do CET, ferramenta útil para o consumidor comparar o custo do empréstimo em diferentes bancos.
Já o HSBC e o Bradesco informaram incorretamente o valor do CET. Segundo os bancos, as taxas seriam de 6,28% e 7,14% ao mês, respectivamente. Porém, os cálculos realizados pelo Idec com base na fórmula indicada pelo BC na resolução que trata do CET chegaram a percentuais distintos: 7,40% ao mês no HSBC, e 6,39% ao mês no Bradesco.
A importância de saber todos os custos envolvidos na aquisição do crédito fica evidente quando se compara as taxas de juros mensais ao CET de cada banco. No Santander, por exemplo, os juros para a operação foram de 4,79% ao mês, similar aos de outras instituições, e os do Bradesco, 6,31% ao mês, os mais altos. Porém, quando observados todos os encargos, verifica-se que o custo total pago pelo cliente do Santander salta para 9,24% ao mês (quase o dobro da taxa de juros!), enquanto o do Bradesco fica em 6,39% ao mês (de acordo com o valor calculado pelo Idec). O que encareceu tanto o crédito do Santander foi a cobrança de um seguro no valor de R$ 27, cuja aquisição foi obrigatória – o que também configura venda casada e, portanto, é ilegal. O Banco do Brasil e o Bradesco também empurraram um seguro, mas como custaram apenas R$ 1,97, e R$ 2,93, respectivamente, o impacto não foi tão grande. “Levar em conta apenas a taxa de juros para estimar quanto será pago pelo crédito pode ser um engano, já que são os encargos que vão determinar o CET”, alerta Guerrero.
Observando o valor final a ser pago pelo empréstimo, o mais alto foi o do HSBC (desconsiderando o Itaú, cujo valor do empréstimo foi mais alto), embora o seu CET não fosse o maior. Isso porque a data para o pagamento da primeira parcela do empréstimo foi fixada para 30 dias após a contratação, o que encareceu o crédito. Por isso, é importante ficar atento ao prazo para pagar a primeira prestação, pois quanto mais distante da data da contratação, mais caro irá custar, já que há incidência de juros sobre cada dia que se passa.
Veja na tabela abaixo os valores cobrados por cada banco.