Pedras no sapato
O ranking de atendimentos do Idec em 2011 mostra que serviços financeiros, planos de saúde, produtos eletroeletrônicos e telecomunicações continuam sendo os assuntos que mais irritam os consumidores
Em 2011 você teve algum problema com seu banco ou cartão de crédito? E seu plano de saúde, deu dor de cabeça? Comprou algum produto que não foi entregue ou já chegou com defeito? E os serviços de telefonia, internet ou TV por assinatura deram trabalho ao longo do ano? É provável que grande parte dos consumidores responda “sim” a pelo menos uma das perguntas. Considerando o ranking dos atendimentos realizados pelo Idec em 2011, esses foram os assuntos que mais geraram dúvidas ou reclamações no ano passado. No total, o Instituto realizou pouco mais de 16 mil atendimentos, sendo 5.828 consultas administrativas e 10.177 orientações. Dentre as orientações, 5.258 foram sobre problemas ou dúvidas de consumo e 4.919 sobre o andamento dos processos judiciais movidos pelo Idec.
Quem lidera o ranking de 2011 é o setor de serviços financeiros, responsável por 16,64% das orientações dadas pelo Idec. O segmento tirou a “hegemonia” dos planos de saúde como campeões de atendimento, posição que ocupavam há 11 anos consecutivos. Desta vez, as queixas e dúvidas sobre os serviços de saúde suplementar ficaram em segundo lugar – com 16,02% das demandas –, uma diferença bem pequena em relação ao primeiro colocado. O terceiro assunto que mais causou dor de cabeça aos associados do Idec em 2011 foram os produtos eletroeletrônicos, categoria que abrange os aparelhos de telefonia celular, eletrodomésticos (inclusive a linha branca) e eletroportáteis, correspondendo a 14,42% dos atendimentos. Em seguida, com 12,93% das demandas, vem o setor de telecomunicações, que inclui telefonia móvel e fixa, banda larga e TV por assinatura. Todos os demais assuntos, classificados como “outros”, somam 39,99% das orientações realizadas. Nessa categoria destacam-se as demandas sobre ensino, imóveis, lazer e veículos.
Os segmentos com maior número de atendimentos são praticamente os mesmos há vários anos, apenas com algumas mudanças de posições, como se nota na ilustração à página 32. Com exceção de produtos, os outros três setores são regulados, ou seja, têm um órgão responsável por estabelecer regras que, entre outras coisas, tornem mais equilibrada a relação entre as empresas e os consumidores daquele serviço. “O ranking de atendimentos do Idec, assim como os de outros órgãos de defesa do consumidor, mostra que as agências reguladoras de planos de saúde [Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS] e telecomunicações [Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel], e o Banco Central [responsável por fiscalizar o setor financeiro] não estão cumprindo adequadamente o seu papel”, aponta Karina Alfano, gerente de relacionamento do Instituto. Serviços financeiros
Há anos que os serviços financeiros estão entre os quatro temas que mais levam os consumidores a procurarem o Idec, mas se comparados com o ano passado, quando o segmento ocupou a terceira posição no ranking, houve aumento significativo no número de atendimentos. “O aumento de dúvidas sobre os serviços financeiros ocorre devido ao crescimento de sua oferta no mercado. Mas o grande problema é que os consumidores não recebem orientação adequada a esse respeito. Outro motivo é que apesar de haver alguma regulamentação do setor pelo Banco Central, não há fiscalização para coibir práticas nocivas ao consumidor”, destaca Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Idec.
O setor não foi alvo de dúvidas e queixas apenas dos associados do Idec, mas dos consumidores de todo o país. De acordo com o boletim prévio do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que reúne dados dos Procons de 23 estados brasileiros e foi divulgado em novembro pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), dos seis assuntos que mais geraram demandas em 2011, três são do setor financeiro: cartões de crédito (1o lugar), bancos (3o lugar) e financeiras (6o lugar). Esses dados se referem a todos os atendimentos realizados pelos Procons, não apenas às reclamações, mas ainda assim são um indicativo dos assuntos que preocupam o consumidor.
Principais demandas: referem-se a bancos, cartões de crédito, crédito pessoal, financiamentos e consórcios. Entre as reclamações e dúvidas mais recorrentes estão cobrança indevida, débito não autorizado, taxa de juros, renegociação de dívida (principalmente quando envolve empresa de cobrança terceirizada) e venda casada de produtos financeiros, como, por exemplo, contratação compulsória de seguro para obter financiamento.
Para Maria Elisa, o serviço de cartões de crédito é um dos pontos mais sensíveis do setor financeiro, pois a oferta e a utilização do dinheiro de plástico crescem a cada ano, assim como as queixas sobre cobranças indevidas e altas dívidas decorrentes de pagamentos mínimos ou parcelados das faturas. Mas, em sua avaliação, até os serviços financeiros mais básicos têm problemas. “Muitos consumidores não atentam para a cobrança de tarifas e não sabem da possibilidade de ter uma conta corrente gratuita, os chamados serviços essenciais. Da mesma forma, desconhecem a portabilidade de crédito, pouco divulgada pelas instituições financeiras”, aponta.
“O ranking de atendimentos do Idec, assim como o de outros órgãos de defesa do consumidor, mostra que as agências reguladoras não estão cumprindo seu papel”
Karina Alfano, gerente de relacionamento do Idec
Planos de saúde
Apesar de o setor ter caído para a segunda posição em 2011, a proporção de demandas sobre planos de saúde aumentou em comparação com 2010, de 14,53% para 16,02%.
Principais demandas: continuam sendo negativa de cobertura, reajuste de mensalidade (tanto por mudança de faixa etária quanto por reajuste anual) e descredenciamento de profissionais/ hospital. A ANS só considera negativa de cobertura quando as operadoras não realizam procedimentos que integram o rol de procedimentos de cobertura obrigatória, editado pela própria agência. “No entanto, este rol não engloba uma série de tratamentos que constam da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde (OMS), e que de acordo com a Lei de Planos de Saúde deveriam integrar a lista de coberturas obrigatórias, como alguns transplantes, por exemplo”, pondera Joana Cruz, advogada do Idec e especialista no setor. “Sobre os reajustes, a situação mais crítica é a dos contratos coletivos, que representam quase 80% do mercado e não dependem de autorização da ANS para aumentar as mensalidades, ao contrário dos planos individuais/ familiares”, aponta.
No ano passado, especificamente, destacaram-se as reclamações sobre migração e adaptação de contrato, em função de uma resolução da ANS publicada no fim de 2010 e que passou a vigorar em 2011. “Esse assunto já havia aparecido no ranking anterior, mas em geral eram dúvidas. Agora, as demandas são sobre dificuldade de realizar a adaptação ou migração do contrato”, comenta Karina Alfano. Outro assunto que veio à tona foi a demora para a realização de consultas, exames e outros procedimentos, que ganhou repercussão com a publicação da resolução que estabelece prazos máximos de atendimento pela ANS. Apesar de a norma ser positiva, não faltam relatos de desrespeito a ela. Outros problemas que têm atormentado os associados são os cancelamentos de contrato, muitas vezes ilegais, e também as práticas abusivas contra idosos, como a negativa de contratação de planos de saúde por pessoas a partir de 60 ou 70 anos.
Produtos
Esse segmento vem se destacando nos últimos rankings do Idec, e apesar de ter passado da segunda para a terceira posição, sua participação no percentual de atendimentos foi quase a mesma de 2010.
Principais demandas: assim como no ranking anterior, continuam sendo sobre prazo de entrega não respeitado, garantia e troca.
As queixas sobre produtos também vêm aumentando nos registros do Sindec. No Cadastro de Reclamações Fundamentadas de 2010, que reúne as queixas dos consumidores que viraram processos administrativos nos Procons, os celulares foram alvo de mais reclamações. E, de acordo com o boletim prévio divulgado pelo DPDC com os dados dos atendimentos de 2011, o telefone móvel é o quinto assunto com mais demandas. Quando se considera apenas a categoria de produtos, o celular é, disparado, o tema mais problemático, com mais de 18% das demandas.
Telecomunicações
O número de demandas referentes a esse setor caiu de 2008 para cá: 20,50% (2008), 19,48% (2009), 13,17% (2010) e 12,93% (2011). Mas ainda assim continua entre os quatro setores que mais geram atendimentos no Idec.
Principais demandas: são telefonia móvel, telefonia fixa, internet e TV por assinatura. Em todos eles, o principal problema é a interrupção do serviço – seja por falta de sinal ou por outras falhas. No caso da banda larga também há muitas queixas sobre a velocidade do serviço abaixo da contratada; e na telefonia (móvel e fixa) o que mais aflige são as cobranças indevidas. “Os problemas no setor de telecomunicações são, em geral, os mesmos há vários anos. Eles são recorrentes no Idec, na Anatel e nos Procons”, comenta Veridiana Alimonti, advogada do Idec e especialista no setor. No boletim prévio do Sindec 2011, os serviços de telecomunicações também aparecem como fortes candidatos a líderes do ranking de reclamações: telefonia móvel é o segundo assunto com mais demandas, e telefonia fixa, o quarto.