Lenta, cara e para poucos II: a missão
Nova pesquisa do Idec revela que a comercialização dos planos populares de banda larga vai mal, muito mal
"Lenta, cara e para poucos". Essa foi a manchete de capa da edição de novembro de 2009 da Revista do Idec. A matéria trazia um panorama de como estava, àquela época, a situação da conexão à internet por banda larga no país: um serviço restrito a pequena parte da população, de qualidade duvidosa e com preços exagerados. Aliás, a frase impactante havia sido proferida por ninguém menos que César Alvarez, coordenador do Programa de Inclusão Digital do governo federal. Algo tinha de ser feito, e foi: ainda em 2009, um comitê interministerial começou a esboçar um Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).
Pois bem, em junho do ano passado, o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) firmaram Termos de Compromisso com quatro empresas (Telefônica, Oi, CTBC e Sercomtel), a fim de que elas passassem a ofertar planos de banda larga que se enquadrassem no PNBL (a velocidade deveria ser de 1 Mbps – megabit por segundo –, com preço máximo de R$ 35, ou R$ 29,90, quando houvesse isenção fiscal).
Após quase um ano da assinatura desses acordos (um para cada empresa), o Idec publica um estudo que revela a quantas anda a venda dessas modalidades populares de conexão à internet. A ideia é verificar se as empresas estão cumprindo o combinado e, principalmente, avaliar se na prática o PNBL está surtindo efeito (veja detalhes da metodologia da pesquisa no quadro abaixo, à direita). Os resultados não são nada animadores, conforme se pode conferir a seguir.
O objetivo da pesquisa — financiada pela Fundação Ford e realizada em dezembro de 2011 e janeiro de 2012 — foi avaliar se as concessionárias de telefonia fixa que também prestam o serviço de banda larga Telefônica, Oi, CTBC e Sercomtel estão cumprindo os Termos de Compromisso firmados com o Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em junho de 2010.
A Claro, a Tim e outras empresas que firmaram acordos semelhantes aos Termos de Compromisso não foram avaliadas por não possuirmos acesso ao texto. Além disso, no caso das empresas citadas, a oferta se restringe aos planos de banda larga móvel. O Idec analisou os sites, as informações passadas pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) e os contratos.
O PNBL foi oficialmente lançado em maio de 2010, por meio de um decreto federal. O objetivo era claro: massificar a banda larga, acelerar o desenvolvimento econômico e social, promover a inclusão digital, entre outras aspirações de cunho social. Ocorre que, para se conseguir tudo isso, o principal não foi considerado: entender a banda larga como um serviço essencial e, portanto, a ser prestado em regime público ou misto – a exemplo do que ocorre com a telefonia fixa. Embora a grande maioria das empresas de telefonia fixa seja privada, elas estão sujeitas por lei à supervisão do governo, principalmente no que se refere a metas de universalização e controle tarifário. São, afinal, concessões públicas.
Mas, uma vez que a banda larga não é considerada essencial, sendo, portanto, um serviço prestado em regime privado, o governo não tem como exigir que as empresas cumpram metas nem como controlar os preços praticados. "É uma situação complicada, pois, se o governo não pode fazer essas exigências, é difícil que se tenha uma internet barata, de qualidade e para todos", avalia João Brant, membro da coordenação executiva da Intervozes, organização que luta pelo direito à comunicação.
Diante desse cenário, a opção adotada pelo governo foi o estabelecimento de acordos com as empresas por meio da assinatura de Termos de Compromisso. Termos que, no entendimento do Idec, já nasceram tortos, dada a impossibilidade do governo de defender ativamente os interesses da população. Muito por isso, esses documentos são recheados de pontos falhos. O mais escandaloso é permitir que as empresas condicionem a venda da banda larga à venda de um serviço de telefonia fixa. Isso tem nome: venda casada, expressamente proibida pelo artigo 39, I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ou seja, esses acordos, nesse sentido, são ilegais. Apenas a Oi não pratica venda casada para os planos de banda larga popular.
Os termos também preveem que a velocidade de download (aquela para receber ou baixar conteúdo da internet para o seu computador) seja de 1 Mbps. Perto de parâmetros internacionais, é pouco – a União Internacional de Telecomunicações diz que banda larga que é banda larga tem no mínimo 1,5 Mbps. Mas esse nem chega a ser o maior problema: pior é constatar que, após extrapolada uma franquia de download relativamente baixa (a prevista pelo Termo de Compromisso firmado com a Oi, por exemplo, é de 500 MB – megabytes – para a banda larga fixa), as empresas podem reduzir temporariamente a velocidade. No caso da Oi, ela pode cair para 128 Kbps (quilobits por segundo), o que limita bastante o pleno uso da internet. Chamar isso de banda larga parece piada.
Para o Idec, estabelecer esses limites de download para a banda larga fixa não tem sentido do ponto de vista técnico, deixando a impressão de que é muito mais uma medida "de mercado", com o objetivo de tornar os planos populares menos interessantes e, assim, evitar uma migração maciça a eles. Ainda em relação à velocidade, os Termos de Compromisso também preveem que os uploads (o ato de "subir" ou transferir conteúdo do computador do usuário para a rede mundial) tenham uma velocidade máxima de 128 Kbps. Isso é apenas o dobro da velocidade de uma jurássica conexão discada.
Quanto à universalização do serviço, os Termos de Compromisso também deixam muito a desejar. Eles apenas preveem que as operadoras atendam às "localidades sedes" dos municípios. Quer dizer, as áreas urbanas, em sentido mais amplo, não são necessariamente contempladas (um bairro distante do centro da cidade, por exemplo). Mesmo dentro de uma "localidade sede", a obrigação das empresas é oferecer a banda larga popular a um piso exageradamente baixo, de 15% da base de assinantes residenciais da telefonia fixa.
Como se não bastassem esses "erros de origem" dos Termos de Compromisso, o Idec constatou que as empresas não vêm cumprindo o combinado. De modo geral, pode-se dizer que elas não ofertam os planos de banda larga popular com o mesmo entusiasmo com que alardeiam outros planos, mais caros, de conexão à internet. Fica a impressão de que querem esconder os planos populares debaixo do tapete. E isso fica mais fácil se o público não estiver tão bem informado sobre o PNBL. Uma pesquisa on-line realizada pelo Idec com 2.130 associados mostra que quase 63% deles não sabem da existência de planos de banda larga popular.
O Instituto também constatou que três das quatro empresas cobram taxas de instalação da banda larga fixa popular mais caras do que as de outros planos, o que contraria os termos assinados. A exceção, novamente, é a Oi.
Cabe também ressaltar que, no entendimento do Idec, as empresas estão muito mal no quesito "informação adequada". Embora cumpram os requisitos técnicos previstos pelos Termos de Compromisso (como franquia de dados, redução da velocidade de download após esse limite ser ultrapassado e velocidade de upload), elas não informam o consumidor de maneira precisa ou eficiente. Quem quiser saber tudo isso terá um árduo trabalho pela frente.
Confira a seguir as principais irregularidades de cada empresa:
Oi
No site da Oi, o usuário só encontra alguma informação a respeito dos planos fixos vinculados ao PNBL na página dos planos de banda larga fixa, onde o anúncio é feito de forma tímida, sem destaque algum, num longínquo e discreto canto direito da página. Quem estiver procurando um plano barato muito provavelmente vai clicar na oferta de R$ 54,90 (1 Mbps) ou R$ 39,90 (600 Kbps). "O consumidor precisa saber antecipadamente o que é o PNBL para encontrá-lo. Quem não o conhece tem poucas chances de ser atraído por ele", afirma Veridiana Alimonti, advogada do Idec e responsável pela pesquisa. Quanto à banda larga móvel, há uma oferta bem destacada nos moldes do PNBL, mas não é mencionado que ela é popular.
É bom ressaltar que essa falta de visibilidade contraria o Termo de Compromisso assinado pela empresa. Diz uma das cláusulas do acordo: "A Oi deverá promover, conforme suas práticas, ampla publicidade dos planos da Oferta de Varejo e da Oferta de Atacado para atingir com eficácia o respectivo público-alvo".
No atendimento via central de televendas fica ainda mais evidente como a Oi tenta empurrar planos mais caros. Nosso pesquisador primeiramente perguntou qual era o plano mais barato. A resposta foram os tais planos de R$ 54,90 e R$ 39,90. A banda larga popular não foi mencionada. Quando o atendente foi então provocado sobre a oferta de planos do PNBL, já no oitavo minuto de conversa, o funcionário disse que teria de transferir a ligação para o setor responsável. Resultado: quatro minutos de espera, até a ligação cair.
Na segunda ligação, o novo atendente, após certa insistência do pesquisador, informou que os planos populares não estavam disponíveis para o Rio de Janeiro (estado usado hipoteticamente). Após mais uma dose de insistência (e paciência), nosso pesquisador foi transferido para o setor de "promoções especiais". Mas de nada adiantou: o PNBL continuou sendo ignorado. Após muita, mas muita insistência, veio a informação correta: R$ 35 para 1 Mbps, pelo plano popular. Correta em termos. É que nos estados em que há isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), o valor máximo a ser cobrado é R$ 29,90.
Nova missão para o Idec: analisar o contrato da banda larga popular fixa (não há contrato específico de banda larga popular móvel). Foram muitas as irregularidades encontradas nesse documento, mas não necessariamente atreladas ao fato de o plano ser popular. Por exemplo, há uma cláusula que permite à empresa alterar unilateralmente o contrato. Esta pode ser considerada "nula de pleno direito", conforme preconiza o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. Outra cláusula que insiste em constar de muitos contratos de banda larga (populares ou não) de várias empresas diz respeito à variação de velocidade: neste caso, a Oi afirma contratualmente que garante "incríveis" 10% do 1 Mbps oferecido. De acordo com o CDC, cláusulas como essa também são nulas.
Telefonica
Em seu site, a concessionária espanhola também não faz lá muita questão de expor a banda larga popular com o mesmo vigor usado nos planos mais caros. O PNBL fixo é oferecido discretamente. Até há outro plano, com a mesma velocidade e preço parecido, ofertado com mais veemência. Mas não é o PNBL. Pelo SAC, porém, ela foi a única operadora a oferecer o plano popular como o mais barato, antes mesmo de o pesquisador questionar. No caso da banda larga popular móvel, cuja venda se dá por meio do site da Vivo (pertencente à mesma empresa da Telefônica), o PNBL tem destaque semelhante ao de outros planos.
A Telefônica também foi muito mal no quesito clareza das informações: alguns dados importantes dos planos não são trazidos a público ou, quando são, apresentam divergência de teor. Por exemplo, o preço de instalação do PNBL fixo: o site da Telefônica não diz qual é o valor, o atendente do SAC afirmou que é R$ 99, e o contrato menciona R$ 150 – informação que nos pareceu a correta, contrariando, assim, o Termo de Compromisso, que estabelece que a instalação de planos PNBL deve seguir o preço padrão dos demais planos.
Por meio do SAC, nosso pesquisador recebeu a informação de que o PNBL fixo da Telefônica não tinha franquia. Mentira! Há franquia, sim, mas que promocionalmente está suspensa, algo bem diferente de uma completa e eterna ausência de limite de download. Tanto é assim que o contrato do plano em questão prevê esses limites. Nosso pesquisador também foi informado, via SAC, de que a Telefônica impõe uma "fidelização" de 12 meses para o PNBL fixo: em troca, o cliente não precisa arcar com os R$ 150 de taxa de habilitação. No entanto, o consumidor não pode optar por pagar a taxa para se livrar da fidelização na banda larga fixa. Para levar o serviço, o "pacto de fidelidade" é obrigatório. O Idec entende que, de acordo com as normas do setor de telecomunicações, a fidelização é proibida, ou seja, o consumidor tem o direito de cancelar o serviço a qualquer momento, sem ônus adicional.
Destaque negativo também para a qualidade da banda larga popular móvel: após um tráfego superior aos 150 MB de franquia, a velocidade de conexão cai para 64 Mbps. Um valor muito abaixo do ideal, ainda mais se considerarmos que o plano móvel popular é a única opção de PNBL oferecida de maneira avulsa.
A exemplo da Oi, a Telefônica não possui contrato específico para o plano popular móvel, por isso não o analisamos. Quanto ao do plano fixo, velhos abusos persistem, como a cláusula que estipula que a empresa não se responsabiliza se a velocidade efetiva da conexão for inferior à anunciada.
CTBC
No quesito "destaque do PNBL", a CTBC também faz feio: no site, a oferta é feita de maneira tímida. E segundo o SAC, a venda de planos do PNBL só pode ser realizada na loja da empresa ou em lojas credenciadas. Na loja para a qual ligamos, ao pedir detalhes do plano "mais barato", recebemos a oferta de um plano de R$ 39,90 (mais caro, portanto, que o popular), mas com velocidade de 500 Kbps (inferior à do PNBL) e sem franquia de download.
O plano de banda larga popular fixa da CTBC segue as especificações de velocidade, franquia e preço determinadas pelo Termo de Compromisso. O problema é que a empresa não tem um plano popular de banda larga móvel. Falta grave, pois o Termo de Compromisso, ainda que passe por cima do CDC e permita a venda casada, é claro ao determinar que a empresa oferte ao menos uma opção de plano "avulso", sem a necessidade de contratação de uma linha telefônica. Como os planos populares fixos da CTBC só são oferecidos "casadamente" com a telefonia fixa, a opção de venda avulsa ficaria restrita ao (inexistente) plano móvel.
A lista de irregularidades da CTBC prossegue: a empresa não informa em seu site se o modem e o provedor de acesso do PNBL fixo são gratuitos (conforme prevê o acordo firmado); e pratica a fidelização (de 18 meses, sendo que, em troca, o cliente recebe o modem de graça, que, em tese, já deveria ser gratuito). A análise do contrato não foi feita, pois a CTBC não o publica em seu site.
Sercomtel
Uma das poucas boas notícias: o site dessa empresa foi o único a dar ao PNBL o mesmo destaque que dá às outras ofertas! E outra boa notícia: não há fidelização! Mas é só isso. A falha mais grave talvez seja que o atendente do SAC, depois de ser questionado sobre o plano mais barato, ofertou um cujo preço é R$ 20 mais caro que o PNBL. Só depois de provocado é que mencionou o plano popular.
Mas quanto custa a banda larga popular da Sercomtel? Segundo o site e o SAC, R$ 65 (R$ 35 de internet e R$ 30 de plano de voz, sem qualquer minuto incluído); segundo um documento disponível no site, R$ 59,90 (R$ 29,90 de internet e os mesmos R$ 30 de plano de voz, sem minutos incluídos). Há ambiguidade na informação, portanto, sem contar que, nos estados em que há isenção de ICMS, o teto do valor da banda larga deve ser R$ 29,90.
Como se pôde perceber, a banda larga fixa da empresa só é vendida junto com uma linha telefônica. E o consumidor não pode tentar escapar da venda casada recorrendo ao PNBL móvel, pois a empresa não o comercializa. Isso não contraria o Termo de Compromisso firmado, que permite que até junho de 2013 a Sercomtel pratique venda casada. Mas contraria o CDC.
O contrato da banda larga fixa da Sercomtel também está recheado de infrações. Tem cláusula que exime a empresa de oferecer a velocidade de conexão ofertada ao consumidor; e trecho que outorga à empresa o direito de vender a banda larga mesmo sem saber se, tecnicamente, a instalação será possível.
O Idec enviou o resultado da pesquisa às empresas, mas apenas a Oi se pronunciou.
Afirmou que "atua no PNBL em estrita aderência ao pactuado no Termo de Compromisso firmado em esfera federal". Considerou que "a análise mostra-se fundamentada muito mais em juízos próprios de valor e propostas do Idec, que não configuram e/ou caracterizam efetivamente quaisquer desconformidades e/ ou descumprimentos de regras regulamentares e legais vigentes e aplicáveis aos temas apontados", mas que ainda assim está fazendo gradativo esforço para garantir cada vez mais aderência aos preceitos das regras consumeristas vigentes.
O resultado da pesquisa também foi enviado à Anatel e ao Ministério das Comunicações, pois entendemos que essas autoridades precisam tomar conhecimento das irregularidades cometidas para que possam tomar medidas que impeçam as empresas de violar os direitos dos consumidores. A equipe da Revista do Idec também entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério das Comunicações, que disse entender a importância do PNBL e dos acordos firmados com as concessionárias de telefonia fixa, mas que cabe à Anatel fiscalizar o cumprimento dos acordos.