Rota dos orgânicos
“A quantidade de feiras orgânicas nas diferentes cidades parece ser uma espécie de radiografia inversa do mapa da produção convencional de alimentos no país”, comenta Adriana Charoux, pesquisadora do Idec responsável pelo levantamento. “Em Cuiabá, um dos polos do agronegócio brasileiro, por exemplo, não foi localizada nenhuma feira orgânica”, aponta. Não por acaso, nas cidades em que há maior número de pontos de venda desses produtos, existem, por trás, iniciativas da sociedade civil e de organizações públicas para fortalecer o sistema de produção e comercialização sustentável e solidário. Na capital fluminense, por exemplo, há o Circuito Carioca de Feiras Orgânicas, uma parceria da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio) com a Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário (Sedes), da prefeitura do município do Rio de Janeiro, que também conta com o apoio das associações de moradores dos bairros onde as feiras acontecem.
Para Marcelo Laurino, coordenador da Comissão de Produção Orgânica do Estado de São Paulo, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), há vários fatores que explicam a disparidade no número de feiras orgânicas nas capitais brasileiras, entre eles a demanda por parte dos consumidores e também de produtores inseridos no sistema agroecológico. “A cultura de algumas regiões do país não facilita a inserção dos produtos orgânicos. Além da influência do agronegócio, em muitas localidades falta informação para a população a respeito dos alimentos orgânicos e os produtores duvidam da viabilidade econômica da produção agroecológica”, afirma.
Paulo Demeter, coordenador regional da Fase na Bahia, ONG que atua no desenvolvimento social e ambiental, aponta que entre as cidades com maior número de feiras orgânicas estão as capitais cuja população tem os maiores índices de renda per capita, como Brasília e Curitiba. “Ainda hoje, quem procura por alimentos orgânicos é o cidadão de maior poder aquisitivo e mais bem instruído que a média da população, que tem conhecimento dos riscos dos agrotóxicos para a sua saúde e dos danos causados pelo modelo de produção convencional ao meio ambiente”, diz.
Laurino, no entanto, ressalta que essa situação está mudando e que, aos poucos, o preço dos produtos orgânicos está caindo e a produção tem se tornado mais acessível. “Os primeiros produtos orgânicos que apareceram no mercado eram muito mais caros que os convencionais, entre outros motivos, porque não havia domínio das técnicas de produção, a produtividade era baixa, assim como a demanda”, esclarece. “Com o tempo, isso foi sendo superado e o preço caiu, mas é um processo em andamento. Ainda existem custos na produção orgânica que não são evidentes para o consumidor, como a certificação, por exemplo, que justificam o preço um pouco mais alto”, completa.
O representante do Mapa também lembra que hoje há iniciativas governamentais para incentivar a produção orgânica, como a Política Nacional de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que priorizam a compra de alimentos de agricultura familiar e preferencialmente de sistemas agroecológicos. “A disponibilização de grandes quantidades de produtos nos mercados e a popularização do produto orgânico como um direito de todos a uma alimentação saudável, certamente vai torná-lo acessível a todos”, defende Marcio Stanziani, coordenador da Associação de Agricultura Orgânica (AAO), que mantém uma feira especializada em São Paulo.
Alimentos orgânicos são aqueles cultivados sem agrotóxicos e fertilizantes químicos. A agroecologia, por sua vez, é um conceito mais amplo e avançado. Os produtos agroecológicos não só não possuem agrotóxicos e transgênicos como são cultivados de forma justa, economicamente viável e ecologicamente sustentável.
Não confunda orgânicos com hidropônicos
O sistema hidropônico nada tem a ver com o orgânico. O primeiro, ao contrário do que se pensa, utiliza adubos químicos e produtos como inseticidas e fungicidas. A principal diferença em relação ao sistema convencional de produção na terra com uso de agrotóxicos é que a planta não tem contato com o solo, pois “cresce” na água. Se for comprar orgânicos no supermercado, fique atento, porque em alguns casos é possível ver hortaliças orgânicas e hidropônicas misturadas na mesma gôndola.
A grande maioria das feiras (115) é realizada apenas uma vez por semana; 9 ocorrem duas vezes por semana; e 15 em periodicidade variada (três vezes por semana, uma vez por mês etc.). A única que funciona diariamente é a Feira Orgânica do Jardim Bonfiglioli, em São Paulo. O horário de funcionamento das feiras varia, mas a maioria (74) dura de quatro a seis horas.
Quase todas as feiras oferecem frutas, legumes e hortaliças. Mas em 37 delas também é possível encontrar cereais, e em 36, produtos processados, como mel, doces caseiros, ervas, temperos, laticínios, pães, bolos, biscoitos, sucos, frango e carne bovina. “As feiras têm procurado diversificar a oferta, incluindo produtos processados e de origem animal. Isso é muito bom, porque permite que as compras realizadas nas feiras orgânicas sejam tão abrangentes quanto as feitas em feiras comuns. Retomar o hábito de comprar em feiras aproxima produtores e consumidores. Com menos intermediários, todos ganham”, comemora Adriana Charoux.
Marcelo Laurino destaca que a feira tem papel muito importante no fortalecimento do sistema orgânico, trazendo vantagens para quem produz e para quem compra. “Um dos pontos positivos é que o produto chega ao consumidor a um preço adequado, sem custos com intermediários, como ocorre nos supermercados”, aponta. “E o contato direto entre produtor e consumidor, além de gerar um vínculo de confiança, funciona como indutor de demanda e ajuda a diversificar os alimentos disponíveis. E, por fim, a feira ainda incentiva a produção local e evita o gasto de energia com o transporte dos alimentos”, completa Laurino.
Ao consumir alimentos orgânicos, você contribui com:
- A sua saúde e a da sua família, pois evita o risco de contaminação por possíveis resíduos agrotóxicos presentes nos alimentos frescos. O último levantamento do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), relativo a 2010, verificou que 28% das frutas e dos vegetais analisados têm excesso de agrotóxicos ou presença de venenos inadequados para aquela cultura e/ou banidos pelo órgão regulador. Os piores resultados foram os do pimentão, morango e pepino, alimentos que apresentaram mais de 60% das amostras impróprias para o consumo.
- A preservação do meio ambiente, uma vez que o solo e a água não são contaminados. Além disso, a produção agroecológica baseia-se no uso responsável dos recursos naturais, contribuindo para o desenvolvimento sustentável, assim como para a conservação e valorização da biodiversidade e da cultura local.
- A redução dos riscos à saúde dos trabalhadores rurais, que na produção convencional ficam expostos a substâncias tóxicas.
- A valorização do pequeno agricultor, que tem mais autonomia sobre a produção.
Em cidades onde há mais de uma feira, um critério para ajudar o consumidor a escolher qual frequentar é a existência de certificação da origem orgânica. Desde janeiro do ano passado os alimentos devem ter um selo oficial do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (Sisorg), criado pelo Mapa para que o consumidor possa ter certeza da origem do produto. Quando se trata de alimentos processados, pelo menos 95% da sua composição devem ser 100% orgânicas para receber tal denominação.
No entanto, vale ressaltar que o Mapa prevê três tipos de certificação, mas somente dois autorizam o uso do selo: a certificação por auditoria, em que uma empresa pública ou privada credenciada pelo ministério avalia o cumprimento de critérios internacionalmente reconhecidos e também da legislação brasileira para a agricultura orgânica; e a certificação por meio dos Sistemas Participativos de Garantia, em que produtores, consumidores, técnicos, organizações sociais etc., se unem e criam uma “pessoa jurídica” que, credenciada pelo Mapa, exerce o papel de certificadora e avalia a conformidade orgânica dos produtos.
A terceira forma de garantir a procedência dos alimentos é o chamado “controle social na venda direta”, que se baseia no vínculo direto e na relação de confiança entre produtores e consumidores, comum em feiras e mercados locais de orgânicos. Nessa modalidade, o produto não recebe o selo do Sisorg. Nas feiras encontradas pelo Idec prevalecem os produtores que vendem diretamente para o consumidor, e por isso seus produtos não recebem o selo do Sisorg. Mas não é porque o alimento não tem selo que ele não é orgânico. Pelo sim, pelo não, vale manter contato com os produtores e consumidores habituais do local para esclarecer dúvidas.
Todos os problemas relacionados a essa questão estariam resolvidos se o governo federal já tivesse disponibilizado publicamente o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, que vai reunir todos os produtores, independentemente do mecanismo de certificação utilizado. Assim, o consumidor poderá conferir se o produto sem selo que adquire de determinado produtor está cadastrado no Mapa ou não”, aponta Adriana Charoux. O Idec enviou carta ao Ministério, em janeiro, cobrando a divulgação do cadastro.
Com apoio da Oxfam — confederação internacional composta por 15 organizações não governamentais que trabalham juntas em mais de 90 países buscando soluções para a pobreza e as injustiças sociais — o Idec mapeou as feiras orgânicas e agroecológicas em todas as 27 capitais brasileiras. Para tanto, primeiro foram consultados os principais sites de alimentos orgânicos do país: Associação de Agricultura Orgânica (AAO) www.aao.org.br; Planeta Orgânico www.planetaorganico.com.br; Rede de Agricultura Sustentável www.agrisustentavel.com; Crudivorismo www.crudivorismo.com.br e Doce Limão www.docelimao.com.br. Depois, as informações foram verificadas junto aos membros do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), aos órgãos que atuam na área de abastecimento e agricultura, e às redes e entidades do movimento agroecológico das cidades avaliadas. Foram consideradas apenas as feiras de rua, praças e/ou realizadas em espaços públicos.
Levantamento do Idec e do FNECDC informa a localização de feiras de alimentos sem agrotóxicos nas 27 capitais do país. Em cinco, porém, não foi encontrada nenhuma
Você consumiria mais alimentos orgânicos se...? Essa pergunta ficou disponível no portal do Idec durante o mês de janeiro. A grande maioria dos internautas que respondeu à enquete (74%) escolheu a opção “se ele fosse mais barato”. Em segundo lugar, com 20% dos votos, veio a opção “se houvesse mais feiras especializadas perto da minha casa”. Apesar de apontarem problemas diferentes, as duas respostas são mais similares do que se imagina. Os alimentos orgânicos, em geral, são mesmo mais caros que os convencionais porque já incorporam o custo da produção sustentável. Mas o valor é especialmente mais alto nos supermercados, como verificou a pesquisa do Idec realizada em 2010 e publicada na edição no 142 da Revista do Idec. Nas feiras especializadas encontram-se os melhores preços, e como identificou o levantamento de 2010, a diferença de valor de um mesmo produto em relação ao supermercado chegava a incríveis 463%! Contudo, nem sempre o consumidor sabe se existem feiras em sua cidade e, quando existem, onde ficam.
Para ajudar nessa tarefa, o Idec, em parceria com o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC) e outras organizações que apoiam a comercialização agroecológica, pesquisou a existência desses espaçosnas 27 capitais do país e mapeou sua localização, o horário de funcionamento, os principais alimentos comercializados e se havia algum mecanismo que comprovasse sua origem orgânica. Foram identificadas 140 feiras em 22 das 27 capitais avaliadas. Em Boa Vista (RR), Cuiabá (MT), Macapá (AP), Palmas (TO) e São Luís (MA) nenhuma feira foi localizada. O Rio de Janeiro (RJ) é a cidade campeã, com 25 feiras orgânicas e agroecológicas. Brasília (DF) é a segunda, com 20 feiras, seguida por Recife (PE) com 18 e Curitiba (PR) com 16. Pena que elas são exceção, pois a maioria das capitais conta com número bem menor. Maior cidade do país, São Paulo (SP), por exemplo, só tem 9.