O que vem pela frente
Analisamos o plano de governo, com foco na mobilidade urbana, dos prefeitos eleitos nas 11 capitais mais populosas do país. Alguns tem boas propostas, outros, nem tanto
Em novembro de 2020, eleitores de todo o país foram às urnas escolher o prefeito para os 5.568 municípios brasileiros. O Idec, como sempre, estava de olho nas propostas dos candidatos das grandes metrópoles. E como um dos temas que tem acompanhado de perto é a mobilidade urbana, que nem sempre recebe a atenção que deveria, participou ativamente da campanha nacional Mobilidade nas Eleições (http://bit.ly/3h8zcuI) durante o período de campanha. Após a divulgação dos resultados, analisou as propostas para mobilidade urbana incluídas nos planos de governo dos prefeitos eleitos nas 11 capitais mais populosas do Brasil (veja quais são elas e detalhes na metodologia no quadro abaixo). Logo de cara percebemos que os prefeitos avaliados reconheceram a importância de cuidar da mobilidade urbana e do transporte, pois quase todos dedicaram uma seção ou um capítulo inteiro aos temas em seus planos de governo.
QUALIDADE DISCREPANTE
Apesar de os planos de governo serem obrigatórios para a formalização das candidaturas, não existe regras para que sejam padronizados. Assim, a qualidade varia muito. "Os planos de governo são importantíssimos para conhecermos as propostas de cada candidato e podermos monitorar e cobrar as promessas feitas", afirma Kelly Cristina Fernandes Augusto, pesquisadora do programa Mobilidade Urbana do Idec e uma das responsáveis pela análise.
COMO FOI FEITA A PESQUISA
Avaliamos as propostas para mobilidade urbana incluídas nos planos de governo disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na plataforma "Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais". Também colhemos informações no site oficial dos candidatos eleitos nas 11 capitais mais populosas do Brasil: São Paulo/SP (Bruno Covas – PSDB), Rio de Janeiro/RJ (Eduardo Paes – Democratas), Belo Horizonte/MG (Alexandre Kalil – PSD), Curitiba/PR (Rafael Greca – Democratas), Porto Alegre/RS (Sebastião Melo – MDB), Goiânia/GO (Maguito Vilela – MDB), Fortaleza/CE (Sarto Nogueira – PDT), Recife/PE (João Campos – PSB), Salvador/BA (Bruno Reis – DEM), Manaus/AM (David Almeida – Avante) e Belém/PA (Edmilson Rodrigues – PSOL).
Foram analisados seis temas (segurança no trânsito, saúde e qualidade do ar, gestão da mobilidade, mobilidade a pé, mobilidade por bicicleta e transporte coletivo) que, por sua vez, foram divididos em subtemas. Assim, a nota atribuída ao tema é a média das notas dos subtemas. Por exemplo, para mobilidade a pé foram consideradas as notas recebidas pelos itens calçadas, travessias e acessibilidade universal. Cada tema pode ser classificado de 0 a 10, sendo 0 para a ausência de proposta e 10 para propostas completa.
Kelly Cristina Fernandes Augusto, pesquisadora do programa de Mobilidade Urbana do Idec
A diferença entre os documentos apresentados pelos canditados fez com que as notas variassem bastante. Os planos mais mal avaliados foram os de Eduardo Paes (Rio de Janeiro/RJ) e o de Sebastião Melo (Porto Alegre/RS), empatados com a nota 0,6. Contudo, o número baixo nem sempre significa ausência de propostas ou propostas ruins, como explica Augusto: "Tanto Paes quanto Melo expuseram boas ideias para mobilidade urbana nos debates dos quais participaram e em entrevistas a meios de comunicação, mas receberam nota baixa, porque as expuseram superficialmente no documento oficial, não permitindo que os cidadãos soubessem as ações que consideram importantes para superar os problemas e desafios das cidades que irão governar".
BELÉM E SUAS BIKES
O plano de governo com a melhor avaliação (7,3) foi o do candidato Edmilson Rodrigues, de Belém (PA), que recebeu três notas consideradas ótimas, nos temas mobilidade por bicicleta (10), gestão da mobilidade (10) e mobilidade a pé (8,3). Em seguida vem Bruno Covas, de São Paulo (SP), com duas notas ótimas (mobilidade a pé - 10 - e por bicicleta – 7,5) e 4,9 pontos de média.
Para Ruth Helena Pereira da Costa, voluntária da Rede Bike e integrante dos coletivos ParáCiclo e Pedala Mana, todos na capital paraense, a proposta de Edmilson Rodrigues é muito boa. "Em 1996, quando foi prefeito, ele construiu a primeira ciclovia de Belém, que fica numa das principais avenidas. Ele pedala, é arquiteto e urbanista, e prometeu transformar Belém na cidade da bicicleta. Então, estamos esperançosos", ela declara.
As piores notas de Rodrigues foram em transporte público (3,8) e segurança no trânsito (5), áreas criticadas pela cicloativista, que participou da campanha Mobilidade nas Eleições em sua cidade. "Belém precisa de infraestrutura para ciclistas, pois temos ciclovias, mas ainda falta muito. Mas precisamos principalmente de respeito no trânsito, porque muitos motoristas invadem as ciclofaixas", conta. "O transporte público também é muito precário e superlotado, o que piorou durante a pandemia, quando o número de veículos nas ruas foi reduzido", completa.
BOAS E MÁS SURPRESAS
Não foi só Belém que recebeu nota alta para o tema "mobilidade por bicicleta". Esse foi o quesito mais bem avaliado no geral, com média 5. "Até algum tempo atrás, as bicicletas não tinham espaço nas cidades. Foi em 2011/2012 que elas passaram a ser enxergadas pelos gestores públicos como meio de transporte, não apenas como veiculo para lazer, principalmente em São Paulo (SP) e em Rio Branco (AC). Ficamos felizes de ver que a maioria dos prefeitos avaliados se preocupa com esse assunto", comemora a pesquisadora do Idec. Já os pedestres não receberam tanta atenção nos documentos analisados. "Essa é uma questão importante porque pelo menos 1/3 dos deslocamentos são feitos totalmente a pé (da origem ao destino), segundo dados da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP)", informa Augusto.
Alguns temas deixaram o Idec em alerta: gestão da mobilidade e segurança no trânsito foram os mais mal avaliados, com notas 0 e 2,5, respectivamente. O primeiro mostra que os candidatos não se preocuparam em elencar formas de fazer a sociedade participar das decisões, como planejamento das linhas de ônibus, revitalização das calçadas, entre outras pautas que impactam o dia a dia dos cidadãos. O segundo é extremamente preocupante, pois pode indicar certo despreparo dos novos gestores para proteger vidas no trânsito. "De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina, a cada uma hora, cinco pessoas morrem no trânsito, principalmente pedestres e motociclistas", pontua Augusto.
Cabe a nós, cidadãos, acompanhar de perto o mandato de "nossos" prefeitos e cobrar para que as propostas saiam do papel.