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A efetividade das advertências nos rótulos de alimento

Especialistas discutem as novas evidências de que incluir alertas nas embalagens de alimentos industrializados pode levar a escolhas mais saudáveis

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Veja Saúde

Atualizado: 

13/08/2020

Artigo publicado na Veja Saúde, em 28/07/2020

Por *Laís Amaral e Ana Paula Bortoletto  

Avança em diversas partes do mundo a discussão sobre a importância de modificar o sistema de rótulo dos alimentos, considerado confuso para grande parte das pessoas. Uma das opções que se destaca é o modelo de advertência. Ele apresenta, na frente das embalagens, os ingredientes que estão em excesso no produto – e que, se consumidos sem moderação, podem ocasionar prejuízos à saúde - como sódio, gorduras e açúcares.

Esse tipo de informação pode influenciar o comportamento do consumidor, já que contribui para escolhas mais saudáveis e, assim, é capaz de auxiliar na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes e problemas do coração. 

No Brasil, diferentes estudos foram conduzidos para identificar o melhor modelo de rotulagem nutricional frontal. No início de julho, a divulgação de uma pesquisa realizada pela Embrapa Agroindústria de Alimentos em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e com a Universidad de la República do Uruguai reforçou as evidências de que o uso das advertências é de fato a opção mais vantajosa.

O estudo investigou o efeito de diferentes modelos na percepção do consumidor sobre a saudabilidade de alimentos. Concluiu-se que as advertências – representadas por símbolos como o octógono preto, o triângulo preto e o círculo vermelho, e que transmitem uma mensagem de alerta – facilitam a interpretação das informações do produto.

Além disso, os sinais pretos desempenharam melhor do que o uso de cores, pois exigiram menos tempo para serem detectados nas embalagens coloridas de muitos produtos alimentícios.

A situação no Brasil 

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) é responsável pela atualização das normas de rotulagem nutricional em vigor. As discussões foram iniciadas em 2014 e, em dezembro de 2019, a entidade encerrou uma consulta pública para que a população opinasse sobre o melhor modelo de rotulagem nutricional a ser adotado no país. Mas, até agora, a análise não foi finalizada.

O modelo de rotulagem frontal sugerido pela Anvisa é o de uma lupa, que, apesar de indicar o conteúdo excessivo de nutrientes não saudáveis, não permite a repetição da imagem de acordo com o número de nutrientes em excesso. Isso significa que, se um produto fosse alto em gorduras saturadas, açúcar e sódio ao mesmo tempo, o consumidor só encontraria uma única lupa. No sistema de advertência, por outro lado, teríamos três símbolos de alerta, um por nutriente.

Acontece que não há evidências científicas que respaldam tecnicamente o modelo sugerido pela Anvisa , pois não foi comprovada a superioridade da lupa em relação  à rotulagem de advertência. A proposta é questionada por diversos especialistas, inclusive pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), porque diminui o poder do símbolo.

Os resultados da pesquisa da Embrapa corroboram um estudo realizado com o Datafolha em 2019, no qual 82% dos participantes conseguiram identificar corretamente o alimento mais saudável a partir das advertências em formato de triângulos. Com a lupa, apenas 62% conseguiram responder corretamente.

No Chile, primeiro país a implementar o modelo de advertências, pesquisas apontam mudanças positivas nos hábitos da população. Os consumidores entendem melhor a qualidade nutricional dos produtos alimentícios e houve uma diminuição na compra de itens cheios de açúcar, como bebidas adoçadas e cereais matinais.

Não dá para esperar

O enfrentamento da epidemia da obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis nunca foi tão urgente. Segundo dados do Ministério da Saúde, 56% da população está com excesso de peso e 7% são diabéticos – fatores que inclusive potencializam os efeitos negativos do novo coronavírus, o atual temor no mundo todo.

E já é consenso na comunidade científica que o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados está diretamente associado ao ganho de peso e a outros tantos problemas graves de saúde.

Embora esses quadros sejam largamente vinculados a comportamentos individuais, a verdade é que estão relacionados, sobretudo, a mudanças no padrão alimentar da população. E elas são fortemente influenciadas por fatores ambientais, como a falta de informações claras nos rótulos e a publicidade de alimentos.

Considerando o número de pessoas atingidas e a natureza estrutural do problema, não há dúvidas de que essa é uma questão coletiva, e não individual. Por isso, precisa ser enfrentada urgentemente por meio de políticas públicas efetivas. A rotulagem nutricional de advertências é a medida que poderá abrir esse caminho de mudanças.

*Laís Amaral é doutora em ciências e pesquisadora do Idec

*Ana Paula Bortoletto é doutora em nutrição e saúde pública e coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec

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