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É transgênico ou não é?

É transgênico ou não é?

Idec avalia rótulo de 83 alimentos e levanta suspeita de uso de transgênicos sem informação ao consumidor.
É transgênico ou não é?

O Brasil é o segundo país que mais utiliza transgênicos no mundo – perde apenas para os Estados Unidos. De acordo com dados da consultoria Celeres, plantações geneticamente modificadas de soja, milho e algodão (as únicas cultivadas no País) representam 93,4% de toda a área plantada. Considerando esses dados, o Idec avaliou se produtos que contêm soja, milho ou derivados desses grãos entre seus principais ingredientes informam no rótulo o uso de transgênicos. Foram analisados 83 produtos de diversas categorias, como pães, cereais, conservas e bebidas, pois derivados de milho e soja são comumente utilizados em alimentos ultraprocessados (veja no quadro abaixo mais detalhes de como foi feita a pesquisa).

A legislação exige que o uso de ingredientes geneticamente modificados seja indicado no rótulo de todos os alimentos vendidos no Brasil. O rótulo deve apresentar um triângulo amarelo com um "T" preto dentro, seguido de uma frase indicando que o produto é ou contém transgênico. Além disso, na lista de ingredientes, deve constar a espécie doadora do gene, segundo o Decreto no 4.680/2003, regulamentado pela Portaria no 2.658/2003.

Porém, a pesquisa constatou que 67% dos produtos avaliados não indicavam no rótulo se contêm ou não transgênicos, ou seja, não apresentam o símbolo nem qualquer informação que diga que ele é livre de organismos geneticamente modificados (OGMs). "Não é possível afirmar categoricamente que eles estejam irregulares, mas há suspeitas, já que a maior parte da soja e do milho produzidos no Brasil é geneticamente modificada", diz Mariana Garcia, nutricionista e pesquisadora do Idec. De acordo com a consultoria Celeres, 96,5% da soja e 88,4% do milho produzidos no Brasil são transgênicos.

DIREITO DE SABER

Entre os demais produtos avaliados, 20 (24%) estavam adequados, pois informam a presença de transgênicos de forma correta; e sete inadequados, pois, embora usem o símbolo T, não o apresentam da forma exigida pela legislação ou não informam o nome da espécie doadora do gene transgênico. De acordo com a nutricionista do Idec, esse dado é importante para a rastreabilidade do alimento e porque alguns indivíduos podem apresentar reações a determinadas espécies.

O levantamento observou algumas contradições em produtos da mesma marca. No caso da Bunge, por exemplo, todos os óleos sinalizavam no rótulo a presença de transgênicos. Contudo, a margarina Delícia, fabricada pela Bunge, tem óleo de soja entre seus principais ingredientes, mas não apresenta nenhuma informação sobre a presença ou ausência de OGMs.

Para o Idec, os resultados da pesquisa apontam que a lei está sendo cumprida por parte das empresas, mas que é necessário ter mais fiscalização para assegurar que as regras estão sendo devidamente respeitadas por todos os fabricantes. "O consumidor tem o direito de saber o que come. E a rotulagem é fundamental, pois fornece informações que possibilitam a ele exercer seu direito de escolha na hora da compra", defende Garcia.

No Brasil, o Ministério da Agricultura é responsável por fiscalizar o plantio de transgênicos, enquanto as vigilâncias sanitárias federal e estadual, pela rotulagem dos produtos industrializados. Porém, esse papel não é cumprido a contento, na avaliação de Marijane Vieira Lisboa, membro do Conselho Diretor do Idec e ex-conselheira da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), onde foi representante dos consumidores de 2012 a 2015. "A vigilância sanitária fez testes cinco, seis anos atrás, mas parou, e o Ministério da Agricultura diz que não tem fiscais e recursos suficientes para fiscalizar", informa.

COMO FOI FEITA A PESQUISA

A pesquisa analisou o rótulo de 83 alimentos de diversas categorias que contêm soja, milho, ou derivados desses alimentos entre os cinco primeiros itens da lista de ingredientes – que são os em maior proporção no produto. Sempre que possível, foram analisadas três marcas de cada tipo de alimento. O objetivo era avaliar se havia informação sobre o uso de transgênicos na embalagem e se estava de acordo com as exigências legais.

O Idec notificou todas as empresas responsáveis pelos produtos avaliados e solicitou informações para confirmar a origem dos ingredientes utilizados.

 

 

SOB SUSPEITA

Veja, a seguir, os produtos avaliados na pesquisa que não informam se contêm 
ProdutoMarca
Bebida de soja
Ades, Mais Vita e Soyos
Bisnaguinha
Pullman, Sevenboys e Wickbold
Bolo de milho
Panco e Suavipan
Broa de milho
Extra e Sonda
Cereal matinal
Corn Flakes, Snow Flakes
e Superbom
Cerveja
Antartica, Brahma e Skol
Farofa de soja
Yoki
Fórmula infantil
Nan Soy, Ninho Fases 1+ e Nutren
Hambúrguer de carne
Aurora, Sadia e Seara
Hambúrguer de frango
Aurora, Hot Pocket Sadia e Seara
Iogurte de soja
Naturis Batavo
Kibe de soja
Goshen Veggies
Leite de soja em pó
Soymilke e Suprasoy
Margarina
Amélia e Delícia
Milho congelado
Bonduelle, Fragole e Pratigel
Milho em conserva
Bonduelle e Quero
Milho em grãos
Hikari, Kisabor e Yoki
Mistura para mingau
Mucilon Milho
Molho shoyu
Kisabor, Kitano e Sakura
Pão de milho
Panco
Pipoca de microondas
Popcorn Hikari
Polenta em palitos
Daucy e Pratigel
Proteína texturizada de soja
Macroforma e Vitao
Salsicha de frango
Aurora, Perdigão e Sadia
Soja em conserva
Camil
Soja em grãos
Natu’s
Sopa de milho com frango
Vono
 
 

A EXPLICAÇÃO DAS EMPRESAS

O Idec comunicou os resultados da pesquisa às 39 empresas cujos produtos foram avaliados, inclusive aqueles que estavam com a rotulagem adequada. Apenas 22 responderam dentro do prazo estipulado. Entre fabricantes de produtos sem nenhuma informação na rotulagem, 14 disseram não utilizar transgênicos em seus produtos, mas só três (Goshen, Olvebra e Heinz) enviaram laudos comprovando a informação. No lado oposto, Bunge e Sonda admitiram que utilizam ingredientes transgênicos, sendo que a primeira afirmou estar adequando o rótulo.

A Bunge tentou justificar-se dizendo que a informação não constava antes porque o material geneticamente modificado não pode ser detectado no produto (margarina). Da mesma forma, o supermercado Sonda, que vende produtos com sua marca, como bolos e broas, alegou que como a quantidade de transgênicos é menor do que 1%, "não se sente obrigado a estampar essa informação no rótulo".

Contudo, o Idec considera tais argumentos falhos, já que a Justiça tem garantido a informação no rótulo independentemente do teor de transgênicos no produto final, a partir de uma ação judicial do Idec e do Ministério Público Federal. "Desde agosto de 2012, a Justiça Federal decidiu que todos os produtos que contêm transgênicos devem ser rotulados, não importando a porcentagem. O STF chegou a suspender a decisão em dezembro de 2012, mas em maio de 2016 a Corte confirmou o parecer da Justiça Federal. Logo, as empresas que agem dessa forma estão exercendo atividade ilegal, o que é muito grave", explica Flavio Siqueira, advogado do Idec.

Garcia destaca também que ainda pairam dúvidas acerca da segurança dos transgênicos, tanto para a saúde quanto para o meio ambiente, por isso é direito do consumidor saber se o produto contém ingredientes geneticamente modificados, seja qual for a quantidade.

AMEAÇA NO CONGRESSO

Além das batalhas na Justiça, a rotulagem de transgênicos sofre ameaças no Congresso, por meio do Projeto de Lei da Câmara (PLC) no 34/2015, do deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), já aprovado na Câmara dos Deputados e agora em tramitação no Senado.

Se esse PL for aprovado, apenas alimentos que contenham 1% ou mais de transgênicos em sua composição, mediante análise específica, serão rotulados com um texto de alerta; o T no triângulo amarelo, não será mais obrigatório. "Sem o símbolo, ficará mais difícil para o consumidor identificar os produtos transgênicos nas gôndolas dos supermercados", observa Garcia. Lisboa concorda: "Em países europeus, só o texto funciona. Aqui, não, pois temos muitos analfabetos, idosos que não conseguem ler letras pequenas etc. No Brasil, o emblema é importante".

Além da retirada do símbolo, o PL prevê que a informação só será obrigatória se a presença de OGMs no produto final for comprovada por análise em laboratório. "O problema é que já sabemos que DNAs transgênicos não são detectáveis na maior parte dos alimentos processados e ultraprocessados. Assim, produtos em que os transgênicos não forem identificados em teste poderão ser rotulados como 'livre de transgênicos', mesmo os contendo em sua formulação", critica a nutricionista. "O fato de não serem detectadas, não significa que não haja no produto proteínas geradas pelo processo de transgenia, nocivas à saúde e ao meio ambiente", aponta Lisboa.

Para Gabriel Bianconi Fernandes, da ONG AS-PTA – agricultura familiar e agroecologia, a aprovação seria um grande retrocesso com repercussão internacional. "As indústrias alimentícias e de biotecnologia usariam o seguinte argumento para derrubar a rotulagem em outros países: 'O Brasil, um dos pioneiros a rotular transgênicos, aplicou a lei por mais de 15 anos, viu que não era necessário e a derrubou'", ele prevê. "Seria o fim da rotulagem de transgênicos e do direito à informação", conclui Lisboa.

"O PL é um imenso retrocesso em matéria de defesa do consumidor, pois viola direitos básicos de todo cidadão, como transparência, direito à informação e à livre escolha", diz Siqueira. O Instituto acompanha o tema de perto desde que o PL foi proposto, em 2008, e mantém uma campanha contra sua aprovação e a favor da continuidade da rotulagem. Para participar, acesse a página: http://bit.ly/JIpPRN.

TRANSGÊNICOS E RISCOS À SAÚDE

Introduzidos no Brasil desde 2003, os transgênicos ainda são cercados de incertezas em relação aos seus impactos. De um lado, estudos independentes mostram que os OGMs oferecem riscos à saúde humana (estão associados ao desenvolvimento de várias doenças, de alergias a câncer); de outro, a CTNBio se apoia em pesquisas – muitas vezes apresentadas pela própria indústria – que comprovam sua segurança.

Marijane Lisboa é crítica quanto às conclusões das pesquisas que sustentam a liberação de transgênicos. "Os testes são feitos apenas com ratos e por um período curto, buscando apenas efeitos toxicológicos agudos e não crônicos", ressalta. "É preciso tomar cuidado com essas falsas certezas, já que os órgãos públicos não fazem teste de impacto de risco", completa.

Gabriel Bianconi Fernandes concorda: "O processo de regulação é bastante frágil e os efeitos a médio e longo prazos são desconhecidos, embora existam evidências de que os transgênicos podem causar problemas".

Fernandes participou de um estudo em parceria com o extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário que acompanhou o trabalho da CTNBio por 10 anos. "Compilamos mais de 750 pesquisas publicadas em revistas científicas revelando potenciais problemas causados por transgênicos e que foram ignoradas pela Comissão, que atende a certos interesses econômicos", ele conta. "É com base nesse conhecimento que afirmo que a liberação do uso de transgênicos no Brasil é totalmente problemática. Considerando esse cenário, a rotulagem é importantíssima, pois serve de alerta", complementa.

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